Assim que entramos no Girassol, estamos logo ao balcão, com um enorme folhado recheado com doce de ovo, como se sorrissemos um para o outro e dissessemos: “Bem-vindo, aqui come-se bem”. Os doces na janela do primeiro quarto vão fazer sua cabeça girar com tanto por onde escolher. Somos imediatamente conduzidos para a sala das traseiras, uma sala que outrora servia de ponto de encontro para as touradas (a decoração fala por si). Várias famílias, avós, pais e netos estão sentados nas mesas ao nosso redor. É sexta à noite e quem vem aqui se sente em casa pela descontração e leveza.
Começou por ser um "restaurante de rua onde comiam enguias". Sandra Barata tem 50 anos, alguns meses mais velha que a Girassol. Psicoterapeuta de profissão, ela é a herdeira desta casa. A mãe, natural de Oleiros na Beira Baixa, veio para Sarilhos Grandes trabalhar num restaurante de enguias (uma das especialidades desta zona do Montijo).
A influência Beira Baixa presente no cabrito estufado, um dos preferidos da casa, mistura-se com os sabores do Alentejo, Ribatejo e Espanha. Sandra inicialmente trabalhou como psicoterapeuta, mas sempre esteve ligada ao restaurante. A cozinha acabaria ganhando, mesmo que ele não se dedicasse 100% a ela. "Eu cresci aqui, meus filhos cresceram aqui." Durante a pandemia, a mãe de Sandra cogitou fechar o negócio. "Ele me disse: 'Ou você pega ou acabou'. Mas eu peguei", conta.
“Temos três gerações aqui. É um restaurante muito familiar. As pessoas vêm com a família, com os amigos, durante a semana são pessoas de negócios”, explica Sandra Barata. A rabada, conta ele, é a principal atração do cardápio. “As pessoas vêm de todo o país para comer. Depois temos a empanada de perdiz, a empanada de cozido à portuguesa… e aqui é muito bom pedir uma entrada e uma segunda”, aconselha.
A “parte criativa”, “descobrir coisas novas”, ligou Sandra ao negócio da família, que já existe há cinco décadas. Curiosidade e vontade de inovar são o segredo para manter o interesse renovado pela Girassol, segundo o proprietário."Sempre fui inovador. Fiz vários cursos de cozinha, um dos quais com o [José] Avillez. Acho que o segredo é manter-me fiel à cozinha tradicional portuguesa, que faz as pessoas voltarem."
Sandra destaca que no Girassol “tudo é feito em casa”, a principal atração do espaço, que conta com uma clientela fidelizada. “Respeitamos muito a base da cozinha.” A dona fica a cargo das sobremesas e diz que “estava a brincar na cozinha do convento”. "Em média, eu uso 800 ovos por semana em ovos macios. Isso é muito ovo (risos)." No Girassol há sobremesas diferentes todos os dias, todas feitas pela Sandra, que estuda novas receitas, combinações diferentes, ligações entre a doçaria tradicional portuguesa e elementos mais modernos.
Confira aqui algumas criações
A decoração da sala, composta por vários quartos, é fortemente influenciada pela tradição tauromáquica, o que não é incomum visto que estamos no Montijo, terra dos namorados. “Crescemos aqui com touros, cavalos e corridas. Essa é a tradição. Sou muito amigo de José Lupi, que faleceu há um ano. Cresci com os filhos deles, na altura andavam todos a cavalo”, recorda Sandra Barata. A sala onde jantávamos, antigamente um armazém, tornou-se mais tarde um local de convívio. “Jantámos, convidámos toureiros, organizámos uma série de eventos”, conta Sandra, explicando que os objetos, fotografias e toda a memorabilia tauromáquica foram doados pelo toureiro falecido em março de 2022.
Veja as fotos do restaurante
Antes mesmo de começarmos a comer, ficamos impressionados com a organização e o ritmo com que o serviço flui da cozinha para a sala de jantar. "10 pessoas. Cozinha e sala", diz Sandra, para nosso espanto. 10 mulheres que dirigem o restaurante. "Mas eu trabalho 14, 16 horas por dia", diz ela com um sorriso. "Tenho empregados que valem dois, " acrescenta a proprietária/pasteleira/anfitriã do Girassol. Lina, que está no restaurante há 16 anos, conta-nos que todos os dias se levanta "com um sorriso" para ir trabalhar. “Somos uma família pequena. todos se dão muito bem, então é fantástico trabalhar com eles. Delego muito, confio 100% neles. Também pago bem (risos)", diz o dono da Girassol.
Do queijo trufado ao pudim Abade de Priscos com twist
Existem livros menores (e menos interessantes) que o cardápio do Girassol. Normalmente estamos sempre atrás quando vemos grandes gráficos. Sempre nos perguntamos como é possível armazenar tanta matéria-prima fresca e desistimos rapidamente. Mas confie em nós, confie em nós, você não vai se arrepender.
Não andamos muito, mas como tínhamos que voltar para casa, pedimos vinho a copo. Neste caso, vinhos tintos: um Taboadella 1255 Reserva 2019 (temos um fraco pelos vinhos do Dão, que queres?) e um Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmos 2020 (este Douro). Intenso, encorpado, com a acidez perfeita para acompanhar o rastro de proteína animal que se segue.
O lugar pode ser uma refeição, ou pode ser aquele aperitivo chato de pão amanhecido e manteiga chata. O que aconteceu no Girassol foi precisamente a primeira opção: pão e pão fresco (2,90€), azeitonas bem curadas e não muito salgadas (1,80€), uma compota caseira a acompanhar a primeira surpresa da noite: Queijo Feta trufado (8€ ) . Sim, trufado. Sim, sim, com pedacinhos de trufa. Esta iguaria espanhola de Vega Sotuélamos chegou aos nossos pratos direto de Albacete e, embora não sejamos grandes fãs de trufas, não poderíamos negar a surpreendente riqueza da combinação.graças a vida
As fatias finíssimas da cabeça de Xara, um bolo grosso feito com as partes moles da cabeça de porco (€8), derretem na boca. Sabemos que a composição pode intimidar os mais sensíveis, mas acredite, é absolutamente deliciosa.Também estávamos de olho na perdiz em conserva e na língua de boi em conserva com molho de manjericão e ervas, mas vamos guardar isso para uma próxima visita.
Devíamos ter pegado leve com as entradas, mas não resistimos a pedir o tutano quente com cogumelos (€15). “Este é um dos bilhetes que mais vendemos”, explica Sandra Barata. O osso chega à mesa, seu interior misturado com ovos mexidos macios e cogumelos perfeitamente salteados. Há uma ferocidade quase primitiva neste prato misturada com requinte e sofisticação que nos deixa a babar por mais. Nós só pulamos o vinagre balsâmico que era demais para o nosso gosto.
Para os pratos principais, para não nos ofendermos, carne. Em concreto, a rabada estufada em vinho tinto (€17), a grande especialidade da casa, que acompanhamos com batatas fritas (caseiras, claro está) e salada. Os pedaços de carne desciam facilmente do osso e cá entre nós ninguém nos ouvia, quase nos esquecíamos das boas maneiras e pegávamos os pedaços à mão para tirar o máximo proveito de cada parte, do osso à cartilagem à carne. . Nós não (mas quase fizemos).
O que importa é que a bochecha de boi (€ 17) só exigia a tediosa tarefa de espetar no garfo e comer, de tão moles que eram os pedaços. E sabe como você sabe que o ensopado estava muito bem passado? Pela textura macia e quase quebradiça de cebola e cenoura que acompanha as bochechas. Que adorável. Batatas fritas às rodelas, perfeitas, e o único ponto negativo da noite foi mesmo a salada mista, que estava incrivelmente salgada.
Há espaço para a sobremesa? Não foi assim, mas fizemos um esforço. E valeu a pena!Agora atenção: Pudim Abade de Priscos com creme de arroz doce (€6). Parece que não vai caber né? Mas é uma sinfonia absoluta de cremosidade, doçura e leveza surpreendente.É mais uma das criações de Sandra Barata, que já merece um programa próprio (alô senhores do 24 Cocina!) pela originalidade, bom gosto e criatividade que traz à pastelaria Girassol. Se você tiver sorte, receberá esta sobremesa quando visitar Girassol. Ou um ainda melhor. Porque Sandra insiste em trocar o cartão todos os dias.
O Girassol não aparece em guias de restaurantes de celebridades ou histórias de influenciadores. Já que queremos lá voltar para provar pelo menos a tarte de veado e pelo menos mais dois ou três petiscos, pedimos-lhe que não partilhe este texto com ninguém. definir?